Descobrindo o universo do silêncio – Jornal de Piracicaba

Descobrindo o universo do silêncio – Jornal de Piracicaba

O Diretor da SM Consultoria, Treinamentos e Palestras, Engenheiro Sergio Miorin participou da matéria no Caderno de Domingo do Jornal de Piracicaba edição do dia 06 de Outubro de 2013. A reportagem é de Sabrina Franzol: sabrina@jpjornal.com.br.

 

Jornal de Piracicaba - Caderno de Domingo - 06 Outubro 2013

 

No mundo da deficiência auditiva não existe conversa falada, trilha sonora ou os ruídos do dia a dia. Mesmo assim, as pessoas surdas encontram um caminho para seguir suas vidas cheias de ritmo e personalidade.

A deficiência não os impede de trilhar novos horizontes, nem mesmo quando o assunto é trabalho.

A Lei das Cotas (8.213/91) declara que as empresas com 100 ou mais funcionários são obrigadas a preencher de 2% a 5% dos seus cargos com beneficiários reabilitados ou pessoas com deficiência. Entretanto, de acordo com os deficientes, o que ainda falta é a eliminação completa do preconceito, um plano de carreira e adaptações estruturais para tonar as organizações acessíveis para este grupo.

Na reportagem do Jornal de Piracicaba e Revista Arraso em apoio do Comdef (Conselho Municipal de Proteção, Direitos e Desenvolvimento da Pessoa com Deficiência), os deficientes auditivos expressam seu descontentamento por meio das Libras (Língua Brasileira de Sinais), a forma mais completa para a comunicação com eles.

Surdo de nascença, o operador de montagem Eduardo Leme, 43, está há mais de três anos em uma mesma empresa e disse que não vê muitas oportunidades para crescer no ambiente de trabalho.

“Nós passamos em diversas etapas da linha de produção, que têm grande importância, mas ficamos sempre no básico, sempre no mesmo nível. Em muitas vezes, fazemos serviços de carregamento de peças pesadas e o corpo dói”, comentou. Crystiany Marfil, 45, também surda, é esposa de Leme e diz que a cobrança no trabalho é a mesma se comparada a profissionais sem deficiência.

“A exigência é grande. O chefe sempre pede muita atenção para aprendermos tudo certo”, disse a operadora de máquina. Thiago Pereira da Silva, 29, também operador de montagem e surdo, disse que os líderes e chefes das empresas, em muitos casos, não têm a percepção de que eles querem crescer. “Algumas empresas nem estão adaptadas para receber os deficientes e existem funcionários que nos desprezam e provocam, principalmente quando estamos começando”, relatou ele, que faz faculdade de engenharia de controle e automação.

Silva é casado com Astrid Stella Pereira da Silva, 32, que também é deficiente auditiva. Ela trabalha há mais de 12 anos em uma empresa e ainda vê dificuldades para a comunicação com os funcionários ouvintes. “Antes, eu nem tinha comunicação. Hoje, quando não me entendem, tenho que escrever. Acho que falta um pouco de interesse, embora as pessoas não sejam obrigadas em querer aprender Libras”, falou a costureira de rede.

Irmão de Astrid, Haroldo Stella, 29, tem a mesma deficiência. Operador de máquinas, há cinco meses mudou de empresa. Ele, que é apaixonado por desenho e pintura, faz graduação em publicidade e propaganda e disse que já enfrentou muitos obstáculos em um antigo trabalho. “As pessoas eram folgadas, aproveitavam da minha quietude para pedir cada vez mais coisas. Algumas até me desprezavam. Hoje, estou muito feliz, recebo elogios. O surdo não é bobo, ele sabe das coisas é comprometido”, afirmou.

Todos fazem parte do Som do Silêncio, grupo que existe há 17 anos e realiza atividades entre surdos da Primeira Igreja Batista de Piracicaba. Maria do Carmo Mosciatti, que é tradutora, intérprete de Libras, professora e interlocutora letras português/inglês, e o marido dela, João Mosciatti, possibilitaram a comunicação entre os surdos e a reportagem.

Comunicação direta

Já diria Chacrinha: “Quem não se comunica, se trumbica”. A frase é um bom exemplo quando o assunto é surdez. Incluído no mercado de trabalho, o deficiente auditivo Vinicius Adilson das Neves, 23, é responsável por organizar as frutas corretamente em um supermercado da cidade. Ele diz se sentir muito feliz no emprego, mas enfrenta problemas na hora de lidar com os consumidores ouvintes. “Muitas pessoas têm medo de nós, surdos. Eu até tento ajudar, mas elas não aceitam. A maioria acha que somos incapazes”, contou ele, que pretende fazer faculdade de enfermagem para poder atender outros deficientes auditivos.

A maioria dos colegas de trabalho de Neves sabe Libras e para conversar com ele foi necessária a ajuda de Denise Lourenço, supervisora da Apaspi (Associação de Pais e Amigos de Surdos de Piracicaba) e responsável  por encaminhamento no mercado de trabalho. De acordo com o gerente do supermercado onde Neves trabalha, Marcelo Ribeiro, os deficientes são excelentes ao executar os serviços aos quais são designados. “Eles são rápidos, dão um ânimo a mais e demonstram vontade de aprender. A eficiência deles é tão boa quanto a de uma pessoa que não tem deficiência”, falou. 

Emprego para todos

Segundo o coordenador do Comdef, Fernando Ferraz Domingues, as maiores queixas que o Conselho recebe referente ao mercado de trabalho para os deficientes está relacionada com a qualificação profissional. “As pessoas com deficiência sempre estiveram fora da rede regular de ensino, só nestes últimos anos começaram a ter acesso a educação. Por esse motivo, representam um grupo com baixa educação, qualificação e, consequentemente, com dificuldades de ingresso ao mercado de trabalho”, falou.

Para Domingues, a sociedade e as entidades de apoio precisam se abrir mais para essas questões. “Quero ver as entidades preparando as pessoas com deficiência e dando suporte para as empresas. Desta
maneira, o deficiente será contratado com todos os direitos e deveres assegurados e jamais terceirizado via entidade”, disse.

Para o professor de gestão de pessoas da IBE-FGV (Fundação Getúlio Vargas), Sergio Henrique Miorin, poucas empresas estão preparadas para receber os deficientes. “Como existe cotas, elas acabam contratando, mas não estão adequadas. Algumas empresas, inclusive, utilizam os deficientes de forma incorreta. Em alguns casos, eles são colocados para atender pessoas em situações estressantes. Quando a pessoa o vê, acaba se sentindo sensibilizada e não desconta toda a raiva que está. As empresas devem ter um pouco mais de comprometimento com esses colaboradores”, disse.

No final do mês passado, a Secretaria de Estado dos Direitos da Pessoa com Deficiência lançou a cartilha “Pessoas com Deficiência no Trabalho” — Criando valor pela inclusão, que aborda e discute alternativas para incentivar empresas a praticarem a inclusão por meio da contratação de pessoas com deficiência.

Para fazer o Download do PDF com a reportagem clique na Imagem abaixo:

Jornal de Piracicaba - Caderno de Domingo - Outubro 2013

 

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